23 histórias clássicas - 2 - Branca de Neve

Tal como aconteceu no primeiro artigo desta série, também hoje vos falo de uma história que não é exactamente como pensávamos que era. Aliás, é esse mesmo o objectivo de A Biblioteca de Todos os Sonhos do Mundo – se fosse para repetir o que toda a gente sabe, não valia a pena a leitura.

No caso da “Branca de Neve”, é não só um dos contos infantis cujo enredo é globalmente mais conhecido, mas também, sem dúvida, daqueles em que a personagem principal é mais icónica e reconhecida visualmente com facilidade.

E, todavia, o que hoje damos como garantido dessa história trata-se apenas de uma versão criada nos anos 1930 e pontuada pela visão do mundo que a cultura americana tinha nessa época.

A primeira versão escrita fora publicada, no início do século XIX, pelos irmãos Grimm, cuja obra “Kinder und Hausmärchen” (em português “Contos infantis e domésticos”) é uma das principais fontes dos clássicos para crianças.

Jacob e Wilhelm nasceram em Hanau, no Principado de Hesse-Kassel (Alemanha), em 1785 e 1786, respectivamente. A tarefa que os tornaria mundialmente conhecidos nasceu de um acaso: sendo estudantes de Direito, um seu professor sugeriu o nome do mais velho para uma pesquisa de poemas antigos da tradição popular na Biblioteca da Universidade de Marburgo, a pedido de Clemens Brentano que, com Achim von Arnim, se dedicava a recuperar a literatura popular germânica. O trabalho viria a ser efectuado pelos dois irmãos que, entusiasmados com a ampla variedade e riqueza etnográfica do material que foram encontrando, procederam à sua compilação, em grande parte a partir de fontes orais.

Entre esses contos surge “Schneewittchen” (“Branca de Neve”), numa escrita muito mais crua do que aquela a que estamos habituados, marcada pela sua origem popular e também pela forma como se olhava para o mundo nos princípios dos anos mil e oitocentos, em que o estatuto das crianças era muito diferente daquilo que é hoje. Daí que alguns pormenores fossem bem mais macabros do que nas versões hoje popularizadas (por exemplo, os sapatos de brasas com que a madrasta tinha que dançar até morrer, durante o casamento final).

A verdade é que não podemos esquecer o contexto histórico e sócio-cultural em que cada história foi escrita, quando olhamos para ela nos nossos dias. Eis a razão por que “Branca de Neve e os sete anões”, filme de animação de 1937, e o que daí depois surgiu com o selo da Disney, não se pode confundir com “Branca de Neve” dos irmãos Grimm.

A propósito, está uma polémica em curso devida à nova película em preparação pelos famosos estúdios norte-americanos (esta não em desenhos animados, mas com actores reais), para o qual foi convidada uma actriz latina (e não caucasiana), mas que iria contracenar com actores que sofriam de nanismo.

Notícias recentes, por seu lado, apontam a possibilidade de esta história (a dos Grimm) se basear em factos verídicos, concretamente na vida da baronesa Maria Sophia von Erthal, com que coincidem um conjunto de factos do enredo, e de cujo túmulo se descobriu uma lápide há muito perdida que levanta novas possibilidades de elos comuns. Entre eles uma floresta densa e minas onde trabalhavam, não propriamente anões, mas muitas… crianças (o que era frequente na época por toda a Europa).

Pessoalmente, sempre imaginei que se tratava de elfos, ou algo do género. Vou continuar a pensar assim. Afinal de contas, as histórias são constituídas por imagens e metáforas.

Ilustração de Karl Offterdinger, século XIX.


 

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